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Analfabetismo funcional atinge 29% dos brasileiros entre 15 e 64 anos

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Um em cada três brasileiros entre 15 e 64 anos não compreende plenamente textos simples nem consegue realizar operações matemáticas básicas do dia a dia. Esse é o retrato alarmante revelado pelo Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) 2024, divulgado nesta segunda-feira (5), após um hiato de seis anos. Segundo o levantamento, 29% da população está em condição de analfabetismo funcional, mesmo percentual registrado em 2018, o que evidencia um cenário de estagnação preocupante.

O termo analfabetismo funcional se refere à incapacidade de utilizar habilidades básicas de leitura, escrita e cálculo em situações práticas do cotidiano, como ler um bilhete simples, entender uma bula de remédio ou conferir o troco de uma compra. Na prática, essas pessoas vivem à margem da economia do conhecimento e da cidadania plena.

Jovens e trabalhadores também são afetados

Contrariando a expectativa de avanço geracional, o estudo mostra que o analfabetismo funcional entre os jovens de 15 a 29 anos cresceu, passando de 14% em 2018 para 16% em 2024. Especialistas atribuem esse retrocesso à pandemia de Covid-19, que resultou em longos períodos de ensino remoto precário, sobretudo entre os estudantes mais vulneráveis.

A crise educacional também impacta o mercado de trabalho: 27% dos brasileiros empregados não conseguem interpretar frases simples nem realizar cálculos básicos. Ainda mais surpreendente é o dado de que 12% das pessoas com ensino superior se enquadram como analfabetos funcionais — evidência de que o diploma não garante competências essenciais.

Distribuição por níveis de alfabetismo

O Inaf classifica os entrevistados em cinco níveis: analfabeto, rudimentar, elementar, intermediário e proficiente. Os dois primeiros formam o grupo de analfabetismo funcional. A maior parte da população (36%) está no nível elementar, com capacidade limitada a compreender textos curtos e resolver operações simples. Outros 35% atingem os níveis consolidados, mas somente 10% estão no nível mais alto, o proficiente, com domínio pleno das habilidades.

Esse cenário revela não apenas uma questão de acesso à educação, mas também a baixa qualidade da formação básica no Brasil, mesmo após anos de escolarização formal.

Desigualdade racial e regional aprofunda o problema

O Inaf 2024 também evidencia desigualdades profundas entre os grupos étnico-raciais. Enquanto 28% dos brancos são analfabetos funcionais, o índice salta para 30% entre negros e chega a 47% entre indígenas e amarelos. Apenas 19% dos indígenas e amarelos atingem o nível de alfabetismo consolidado, contra 41% dos brancos.

Essas diferenças refletem um ciclo histórico de exclusão que se perpetua por meio de políticas públicas insuficientes e infraestrutura educacional precária, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.

Alfabetismo digital: novo desafio para uma velha crise

A edição deste ano do Inaf introduziu pela primeira vez uma avaliação sobre alfabetismo digital, diante do impacto crescente da tecnologia na vida cotidiana. Ainda não foram divulgados todos os detalhes dessa nova dimensão, mas os pesquisadores destacam que a exclusão digital se sobrepõe à educacional, criando novas camadas de desigualdade, principalmente entre as populações mais pobres e idosas.

De acordo com a TIC Domicílios 2023, conduzida pelo Cetic.br (NIC.br), 26 milhões de brasileiros ainda vivem sem acesso à internet, principalmente nas classes D e E. Mesmo entre os conectados, muitos não sabem usar ferramentas básicas como e-mail ou aplicativos de governo e saúde.

Especialistas cobram políticas urgentes e estruturais

Segundo a coordenadora da pesquisa, Ana Lúcia Lima, da Ação Educativa, “o analfabetismo funcional não pode ser visto como problema individual ou apenas escolar; trata-se de um fenômeno social que compromete o desenvolvimento do país como um todo”.

Organizações como Unesco, Unicef e Fundação Itaú, parceiras do Inaf, destacam que é urgente reverter esse quadro com políticas públicas robustas, que envolvam desde o fortalecimento da educação infantil até programas de alfabetização de jovens e adultos, como o finado Brasil Alfabetizado, descontinuado nos últimos anos.

Impactos econômicos e sociais

Estudos do Instituto Brasileiro de Economia (FGV IBRE) mostram que o Brasil perde até R$ 220 bilhões por ano com os efeitos do analfabetismo funcional, entre baixa produtividade, subemprego e menor competitividade global. A OCDE, em seu relatório Skills Outlook, reforça que o domínio da leitura e da matemática é pré-requisito para a inovação, o crescimento sustentável e a inclusão social.

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